terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Billy Elliot



Billy Elliot - Crítica



Billy Elliot
Direção: Stephen Daldry
Roteiro: Lee Hall
Gênero: Drama
Origem: EUA/Inglaterra
Ano: 2000






Há um problema muito sério em alguns longas com respeito à temática ou protagonização infanto-juvenil: acreditar que crianças ou adolescentes são bobos. Não é o caso deste Billy Eliot. Embora a história trate da vida de um garoto de 11 anos de idade, em nenhum momento ela nos soa falsa ou artificial. Também não há espaço para um universo banal ou ações e diálogos verdadeiramente estúpidos, como acontece na maioria desses filmes.

Billy é um garoto de 11 anos que cansado das aulas de boxe como opção desportiva na escola pública de uma cidadezinha no interior da Inglaterra, passa observar com notória curiosidade as aulas de balé que momentaneamente foram ministradas no mesmo ginásio. Convidado pela professora Wilkinson a participar, o garoto tem uma experiência primeiramente desconfortável, mas ainda assim fascinante. Descobre então que seu modo desajeitado para o pugilismo é compensado pelo talento na dança sem que ainda saiba realmente o que é o balé. Billy não pensa em nada quando dança, como afirma numa cena posterior. Ele apenas dança, sente como se desaparecesse, como se fosse eletricidade pura, nas palavras do próprio Billy. Isso nos leva a entender o porquê da motivação do menino pela dança. Não há desejo artístico, vontade racional ou mesmo apoio familiar. Billy apenas dança, como se os movimentos do balé fossem sua válvula de escape para o mundo complicado em que vive. Somente com o passar do tempo o jovem percebe que dançar está além de impelir o corpo a cumprir uma tarefa, Billy então passa a entender que o balé é uma experiência transcendental, além do que a razão pode explicar, mas ao mesmo tempo é alvo de contemplação para aqueles que assistem e que seu talento não pode ser desperdiçado.


Para seguir com os estudos de dança, Billy Elliot deverá enfrentar muita resistência. A primeira delas é consigo mesmo. Vivendo num ambiente bastante patriarcal e de valores muito machistas, o garoto custa a aceitar a própria vontade de ser bailarino, o que o leva a problemas sobre a sexualidade. Billy não tem qualquer problema com a homossexualidade do seu colega, Michael, embora não o entenda. E a todo custo, quer deixar claro que não é homossexual por causa do balé. Billy não enfrenta qualquer problema sobre sua sexualidade, é na verdade um garoto heterossexual que veementemente não aceita o preconceito quanto àqueles que fazem balé. Mas sem perceber, ele mesmo, indiretamente, nutre preconceito. Numa audiência numa escola de dança em Londres, Billy sente que não foi bem no teste. E ao voltar cabisbaixo ao vestiário é consolado por um outro menino, e quando este lhe encosta a mão no ombro, Billy lhe desfere um soco e diz: “não encoste em mim, sua bicha louca”. Há aí um leve sinal de homofobia (apenas com os garotos que dançam) por parte do jovem, a violência é sua resposta àqueles que acreditam que todos os meninos que fazem balé são gays, sem saber que o primeiro a ser dominado por essa idéia é o próprio bailarino.


Billy vive com seu pai Jackie e seu irmão Tony, além da avó, e consegue esconder de todos que faz aulas de dança. O pai e o irmão de Billy são mineiros na cidadezinha onde vivem e estão em greve. É aí que está o núcleo dramático da obra. Enquanto o filho caçula tem aulas de dança, os outros dois homens mantêm trabalhos muito viris e são os que sustentam a casa. E optando por trabalhar um tema pouco explorado no cinema inglês, a luta dos trabalhadores, o roteirista Lee Hall e o diretor Stephen Daldry (que agora é sensação com seu último filme, O Leitor) são muitos competentes ao mostrar a vida dos operários ingleses que são oprimidos pelos donos dos meios de produção. Não é à toa que ambos foram indicados ao Oscar. O filme prima por um roteiro competente e uma direção segura. Michael e seu pai fazem parte dos trabalhadores que montam piquetes em frente à entrada das minas onde trabalham e enfrentam não só a resistência dos patrões que não entram em acordo com o sindicato e usam a polícia como força de opressão, como também os colegas pelegos que enfraquecem o movimento. Como falei, são ousados o roteiro e a direção, mesmo que o confronto de classes não seja o tema principal, mas importante elemento para a narrativa. Ainda mais se considerarmos que o tema é atípico ao cinema inglês. E a greve é responsável pela cena mais bonita do filme, protagonizada pelo pai e o irmão de Billy, que discutem o movimento grevista e os sacrifícios feitos. Como professor da rede estadual de ensino, devo dizer que falta a muitos colegas a coragem para assumirem a condição de trabalhadores. Como se não houvesse mais motivos para lutar por direitos. Como se estivéssemos fadados a aceitar duras condições de trabalho que o Estado nos impõe. Momentos como esse no longa, devem soar como um tapa na cara dos insossos “trabalhadores” que não assumem compromissos com a categoria. Nesse aspecto, o filme de Stephen Daldry em nenhum momento parece cínico ou romântico. Como a família passa por muitos problemas financeiros, o jovem Billy vê a música como escape e contenção de sua violência.


Billy Elliot não é um filme de interpretações intensas ou técnica refinada. É um filme que poderia estar muito próximo do cinema pipoca, não fosse seu roteiro repleto de temas que podem ser comuns na vida de um garoto, mas tabus para o cinema comercial. Não raro Billy tem de lidar com temas que não são tratados de forma pueril pela direção, tais como a homossexualidade do amigo, o alcoolismo do marido da Sra. Willkinson, conversas sobre sexualidade com uma amiga do balé, violência urbana, frustração profissional e exploração dos trabalhadores. Tudo isso sem máscaras, mas sem nenhuma cena que mostre algo chocante ou que tenha um tratamento mais duro. Tudo muito natural, como a maioria de nós lida no dia a dia. Jamie Bell interpreta o menino que dá título ao filme de forma muito competente, mas distante de performances de outros atores de sua idade. Ainda assim, o ator consegue conquistar-nos não por rompantes interpretativos, mas pela identificação com um menino comum, que reage de forma muito pueril com situações que não está acostumado, como o momento em que no carro da professora de balé e esta lhe diz que quer ajudá-lo a continuar os estudos. E Billy, sem entender o porquê de sua professora insistir em apoiá-lo, pergunta: “Sra. Willkinson, a senhora não está a fim de mim, está?” Uma cena que também revela os momentos de um sutil humor inglês no longa. Interpretação marcante realmente temos com o veterano Gary Lewis como o pai de Billy. Sempre de olhar penetrante e voz impositiva, o ator imprime uma figura paterna bastante exigente e segura. Não chega a ser autoritário, mas exerce a autoridade de pai como deve ser. Também não é de todo obtuso, embora admita não entender nada além do que conhece.


Engana-se quem acredita que Billy Elliot é um filme sobre o balé. A temática principal é com certeza sobre as relações entre o menino e as descobertas de um novo mundo, principalmente em torno da relação entre pai e filho. Os momentos que antecedem esse momento, em específico, são prelúdios para tal. Embora tão divergentes em opiniões e atitudes, notamos em muitos pontos as semelhanças entre ambos. Tudo em volta cria um universo que deve ser filtrado pelo menino, um mundo cheio de tabus e idiossincrasias. Alguns chegam a reclamar da falta de emoção em alguns momentos no filme. Eu diria que foi um opção acertada, já que me parece muito mais com uma frase de Roger Walters, “it’s the english way”; é o jeito de ser dos britânicos. Pontuais e precisos, mas excessivamente sistemáticos a ponto de não serem emotivos. Não espere por artifícios já batidos em tantos filmes sobre dança, como o uso de câmera lenta. Repito que o filme usa o balé como alegoria para tratar dos “ritos de passagem” de um menino de 11 anos. A trilha sonora se vale de temas musicais dos mais inusitados, desde o Lago dos Cisnes a London Calling do The Clash; opção acertada já que o embate entre a violência pulsante do garoto se contrasta com os movimentos sutis do balé.


Billy Elliot não é um filme de técnica apurada ou de um roteiro magnífico,, embora merecedores da indicação ao Oscar, mas é competente o bastante ao criar personagens com quem nos identificamos facilmente e passamos a nos importar com tais. Mais do que isso, o garoto Billy Elliot é a porção de talento latente em cada um de nós que deseja encontrar o caminho da descoberta, mas que por vicissitudes diversas não pôde achar ecos de admiração nos apreciadores da arte. Billy Elliot é a representação do sonho de cada um quando era criança em se tornar grande.

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