segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Os Infiltrados - Crítica


Os Infiltrados
(The Departed, 2006)


Direção:
Martin Scorsese
Roteiro: William Monahan
Gênero:
Drama/Policial/Suspense
Origem:
Estados Unidos
Duração:
152 minutos
Tipo: Longa

Às vezes é muito complicado não se deixar levar por opiniões formadas pela mídia em torno de um filme, ainda mais quando se trata do vencedor do Oscar de melhor filme em 2007. Felizmente, assisti aos Infiltrados quando este ainda não era tão "badalado", embora em sua estréia fora o filme de maior apelo publicitário do diretor Martin Scorsese, e o assisti novamente um ano depois de sua premiação no Oscar; ou seja, longe dos comentários de entusiastas do grande prêmio ou do apelo midiático. Nesse intervalo mantive a mesma opinião. Os Infiltrados é um bom filme e nada mais.

Acompanhamos nas mais de duas horas do longa os jovens Billy Costigan (Leonardo diCaprio) e Colin Sullivan (Matt Damon). Ambos se formaram na academia de polícia, o primeiro leva uma carreira difícil, quase no limite da sanidade; enquanto o outro tem uma ascensão incomum no emprego, logo começando a trabalhar como investigador. O policial Costigan é infiltrado na organização criminosa de Frank Costello (Jack Nicholson) para tentar desmantelar o grupo; enquanto o agente Sullivan é na verdade um membro da mesma organização infiltrado na polícia. A trama se desenvolva quando a polícia suspeita de um delator na corporação e ao mesmo tempo a organização criminosa de Costello acredita ter um "rato" no grupo.

O longa é uma refilmagem do filme Conflitos Internos (de Hong Kong, 2002), o qual não assisti. Escrito por Willian Monahan , que também escreveu o mediano Cruzada, Os Infiltrados tem como maior trunfo as situações de puro desconforto e sangue frio dos informantes, bem como as reviravoltas da trama. A câmera ágil de Scorsese acompanhada de uma trilha sonora alta e de apelo popular, conferem ação e boa dose de tensão, tudo com bastante equilíbrio, afinal trata-se de um filme policial, mas de um diretor que prima pelo trabalho psicológico de suas personagens. Assim, ficamos apreensivos quando um infiltrado tenta desmascarar o outro logo nas ruas depois de uma sessão de cinema, ou as cenas em que Costello tenta encontrar algo que denuncie Costigan, o policial disfarçado. São cenas tensas, repletas de situações angustiantes.

Mas o destaque vai realmente para os atores e a maneira como Scorsese conduz as personagens. Leonardo DiCaprio novamente faz um trabalho exemplar com o diretor, mesmo que não supere ainda seu trabalho em O Aviador. DiCaprio nos apresenta uma personagem que luta contra o estigma de viver sobre a marca de uma família envolvida com o crime, mesmo que tenha como exemplo moral o pai de reputação impecável. O ator consegue transmitir todo o stress da profissão e chega a desenvolver até mesmo sintomas de paranóia devido às pressões sofridas. O também talentoso Matt Damon convence como uma pessoa fria e calculista, incapaz de lidar com seus problemas emocionais, sempre fugindo de questionamentos morais e evitando os olhares analíticos da namorada, a psicóloga do filme. Jack Nicholson, por sua vez, intimida com seu olhar psicótico, lembrando muito seu personagem em O Iluminado. O diretor Martin Scorsese consegue magistralmente imprimir aos atores personagens bastante tridimensionais. Assim, ao longo da projeção nos identificamos logo com a luta e a dor do policial Costigan e torcemos para que este possa se sair bem. Bem como sentimos uma antipatia inevitável pelo policial Sullivan, que leva uma vida social invejável, mas sem quaisquer escrúpulos sobre seus métodos. Essa identificação com os personagens é realmente o elemento fucral para o bom andamento da narrativa em Os Infiltrados. Para se ter idéia da importância desse elemento, na direção de Scorsese em Gangs de Nova York não há a mesma identificação com as personagens. Lá o Amsterdan interpretado pelo mesmo Leonardo DiCaprio não consegue imprimir qualquer simpatia para com o espectador, assim, nos identificamos mais com o lado oposto, o vilão, interpretado por Daniel Day Lewis, que faz um açougueiro chamado Bill cheio de trejeitos e de discurso cheio de apelo. Aliás, o açougueiro Bill é o único personagem interessante em Gangs de Nova York, o que justifica a má recepção da crítica, embora a parte técnica do filme seja muito boa.

Mas como já citado, Os Infiltrados é um bom filme e só, pelos motivos que acabo de mencionar. Vindo de Martin Scorsese, era de se esperar mais, pelo menos do ponto de vista estético. Não há no longa cenas tão memoráveis, cheias de simbolismo ou mesmo revestidas do exercício estético do diretor como em outros filmes. Quem não se lembra da cena em que Travis Bickle de Taxi Driver faz pose em frente ao espelho? Ou Jake La Motta na cena inicial de créditos de Touro Indomável? Isso mesmo, Scorsese consegue criar cenas memoráveis até nas cenas de crédito de seus filmes. Apesar de um bom filme, Os Infiltrados não consegue criar em nosso imaginário uma cena sequer como inesquecível, embora todas sejam dirigidas com maestria. É um filme que ganha pelo conjunto da obra. Ademais, se observa no filme um tom exageradamente sexual (notem que diferente de sensual). Não raro se encontra personagens que falam a torto e direito sobre "comer", "dar" e outros impropérios. O diretor talvez tentasse imprimir um tom verborragicamente real de como é a vida dos criminosos e da polícia, repleto de um vocabulário sujo e de ações nada cheia de pudores, mas tudo soa pesado demais no filme. Durante a projeção o diretor incluiu até mesmo a imagem de um falo de borracha, bem explícito aos olhos do público.
Tudo isso causa um certo incômodo, como se deliberadamente alguém expusesse suas epifanias eróticas com a desculpa do compromisso com a realidade, digo isso sem quaisquer apegos com os pudores de nossa sociedade hipócrita. Também se nota no filme uma duração um pouco longa e um desfecho simplesmente decepcionante. Fica após os créditos finais um gosto de final feito às pressas, de impotência e desonestidade com o público que esperava mais do fim.

Após a premiação no Oscar, fico a me questionar se Os Infiltrados recebe a estatueta por falta de concorrentes ou pelo prêmio de consolação por Scorsese jamais ter ganho. Fato é que Os Infiltrados está longe de ser considerado melhor filme do ano, embora seja um bom filme. Pena que jamais vai figurar como magnum opus do diretor de Touro Indomável, Taxi Driver e A Última Tentação de Cristo. Talvez ainda se torne uma saudosa obra como Os Bons Companheiros ou Cassino. Um bom filme e nada mais.

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